O instituto da curatela e a superação do termo “interdição” no ordenamento jurídico brasileiro
- Marco Alves

- 28 de abr.
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28/04/2025
A curatela é o instrumento jurídico pelo qual uma pessoa é assistida ou representada por outra, chamada curador, quando não possui plena capacidade de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Prevista nos artigos 1.767 a 1.783 do Código Civil, a curatela tem como objetivo proteger indivíduos que, por enfermidade ou tenham sua capacidade de decisão afetada, sua capacidade, impossibilitadas de expressar plenamente sua vontade.
A curatela não é sinônimo de incapacidade absoluta. Após as reformas introduzidas pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), o paradigma da incapacidade foi profundamente alterado. Agora, apenas os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes. Os demais casos são de incapacidade relativa, impondo-se a curatela como medida extraordinária e proporcional, limitada aos atos específicos nos quais a pessoa de fato necessite de apoio.
Apesar disso, o Código de Processo Civil de 2015, em seu Livro IV, Título III, ainda emprega o termo “interdição” ao tratar do processo judicial destinado à nomeação de curador. Essa terminologia remonta a uma visão superada, que associava a deficiência ou doença mental à exclusão da vida civil e à negação de autonomia, o que contraria os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade previstos na Constituição Federal, além das diretrizes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento brasileiro com status constitucional (Decreto nº 6.949/2009).
A permanência do termo "interdição" no texto legal reforça um estigma histórico que associa deficiência a incapacidade total, quando, na realidade, a curatela deve ser encarada como medida de cuidado, não de substituição da vontade. A substituição completa da autonomia deve ser vista como exceção, cabendo ao Judiciário interpretar a legislação de forma compatível com os direitos fundamentais.
É necessário, portanto, que o legislador atualize o texto do CPC, substituindo o termo “interdição” por expressões mais adequadas à lógica protetiva e inclusiva do Estatuto da Pessoa com Deficiência, como “processo de nomeação de curador” ou “processo de curatela”. Tal mudança não é apenas semântica, mas simbólica e normativa, refletindo uma transformação de paradigma: da tutela da incapacidade para a promoção da autonomia com apoio jurídico proporcional e temporário.
A curatela é um instrumento necessário e legítimo, mas deve ser aplicado sempre visando o melhor interesse da pessoa com deficiência ou em situação de vulnerabilidade. A substituição do termo “interdição” é urgente e necessária para romper com o passado excludente e garantir uma leitura constitucionalizada e humanizada da curatela, compatível com os valores contemporâneos do direito civil e dos direitos humanos.
Marco Alves






